quarta-feira, 2 de junho de 2010

Irús por Wilson Bueno


















"Lindinha de mi corazón, já disse que só sei ser íntimo, fique junto, escreva sempre, nossa interlocução põe nova espécie de flor nas tardes (melancólicas) da Floresta. Vc. conhece "Jardim Zoológico"? Com apresentação de Arnaldo Antunes? Tem lá os Irús, que são a pura alegria, o amor e a alegria do amor em todos os sentidos do humano. Eu ofereço os Irús pra você." (W.B.)


IRÚS

Os irús, outros dos duendes do Chaco paraguaio, são incrivelmente engraçados - pequeninos e quase todos meio corcundas, andam aos magotes, abraçados uns nos outros como se não houvesse outra maneira de viver. Por isso, irú quer dizer abraço, em guarani, derivando daí, segundo alguns etmologistas, a palavra, e não o contrário.

Descalços nos mínimos pés didáctilos - só o dedão e o minguinho, os irús começam a cantar mal dê o céu a sua aguda aurora, as pequenas mãos dadas; não raro, dizem os índios, dançam a churuchuchú, uma dança que joga as duas pernas para o alto e se cai de bunda no chão.

Despertam à primeira luz do mesmo modo que se recolhem ao oco das embaúbas ao último so do dia e fazem do negror da noite sua cama e exílio.

Os irús são assim nem que a esperança, as manhãs altas, o canto do guirasa'iyú vespertina, o nunca entrevisto mar e sua utopia, o vôo da ararinha contra o azul do Chaco profundo, a lua, as amizades em que, dos maus ventos, se abrigam os homens, os jogos sexuais do amor, uma mãe bem velhinha, e são esta filharada que enche a casa e desembesta os domingos com suas falas e risos, ôrras e urras, as álacres interjeições, os vivos adjetivos, os irús são nem que um poema de ouro, uma cantata, um inédito de Jamil Snege, o sumo da graviola, o sorriso da Lisa, a redonda nádega de Nenê, a mão na mão, o ombro no ombro, os pêlos nos pêlos, a boca na boca, as pernas entrelaçadas, os irús nem que as doces palavras anchas derramando-se no chão da floresta e o ruído gentil dos passos sobre este caminho de folhas, nem que a chuva, os grilos, um filhote de onça, o coqueiro anão.

Os irús, relevem são uma só alegria.

Jardim Zoológico. São Paulo, iluminuras, 1999.

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